dto_autoral.png

Vinte anos da lei de Direito Autoral no Brasil

Marcos Wachowicz

A Lei de Direitos Autorais completa, neste ano, 20 anos de vigência.

Mas poucos sabem que a Lei 9.610, de 20 de fevereiro de 1998, que consolidou os Direitos Autorais e Conexos no Brasil, decorre de um longo processo legislativo de quase 20 anos que começou em 1972.

Vale dizer: a atual legislação brasileira de Direitos Autorais foi pensada numa realidade tecnológica dos anos 70, quando nem sequer se imaginava os impactos das novas tecnologias nos processos de criação, produção e circulação de bens intelectuais na Internet e nas redes sociais.

  1. As críticas logo surgiriam

As críticas à Lei de Direitos Autorais no país começaram logo após a sua edição, face a inadequação à realidade tecnológica. Isto porque o tempo transcorrido entre sua redação inicial e sua efetiva publicação se operou num contexto pré-digital.

A Lei 9.610, de 20 de fevereiro de 1998, foi importante, mas representa uma visão restrita às tecnologias analógicas, da necessidade de grandes investimentos (em gráficas, estúdios, películas, materiais de produção) para a produção cultural, e de sua consequente proteção.

Desde a sua entrada em vigência, a Lei de Direitos Autorais (ou LDA, como é conhecida) sempre foi objeto de polêmica:

  1. muitos doutrinadores apontam como um avanço na matéria da proteção dos direitos imateriais que o autor possui sobre sua obra,

  2. outros apontam que o longo prazo de gestação legislativa fez com que a lei, quando publicada, estivesse defasada da nova realidade tecnológica advinda do uso das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s), seja na criação, produção e circulação da obra intelectual.

Com efeito, uma vez digitalizada a obra sua disponibilidade e acessibilidade pela Internet implica em novas formas de difusão da obra completamente inéditas, que não estavam previstas pelo legislador.

A LDA, ao completar 20 anos de vigência, enfrentou enormes desafios na regulamentação dos Direitos Autorais e Conexos, principalmente diante de dois aspectos:

  1. os novos modelos de negócio que surgiram com as novas tecnologias na Sociedade Informacional, em que os bens intelectuais ganhavam uma nova forma digital;

  2. as novas demandas sociais decorrentes da ampliação do acesso e disponibilidade de bens intelectuais para o desenvolvimento da educação, cultura e do conhecimento com o uso das TIC’s.

A estrutura central da LDA reflete um desequilíbrio entre os interesses públicos e privados subjacentes à tutela da obra intelectual, tornando-se necessário um novo equilíbrio desses interesses para adequá-los no quadro das novas tecnologias da informação, de forma suficiente para que o processo criativo, produção e circulação de bens intelectuais efetivamente contribuam para o florescimento desta nova Sociedade Informacional.

Embora a estrutura central da LDA continue válida, sua reforma deve ser estrutural. Há que se realizar uma ampla revisão dos paradigmas do Direito Autoral frente o Direito Cultural.

  1. As Reformas parciais no Direito Autoral nos últimos 20 anos

O Direito Autoral brasileiro no interregno de 1998 até 2018 sofreu modificações significativas, mormente o projeto de reforma elaborado pelo Ministério da Cultura ainda não tenha sido encaminhado para o Congresso Federal.

As principais mudanças ocorreram em dois planos:

  1. no plano constitucional: com a Emenda n. 48, de 2005, que alterou e complementou o art. 215 da Constituição Federal, e

  2. no plano infraconstitucional: com a publicação em 14 de agosto de 2013 da Lei nº 12.853, que alterou os arts. 5º, 68, 97, 98, 99 e 100, acrescentou os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-A, 99-B, 100-A, 100-B e 109-A e revogou o art. 94 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a gestão coletiva de direitos autorais, e dá outras providências.

As reformas constitucionais e infraconstitucionais decorreram após a ratificação, pelo Brasil, da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) de 2005.

A Gestão Coletiva dos Direitos Autorais no Brasil sofreu mudança significativa com a publicação da Lei n. 12.853, de 14 de agosto de 2013, que alterou os artigos  5º, 68, 97, 98, 99 e 100, acrescentou os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-A, 99-B, 100-A, 100-B e 109-A e revogou o art. 94 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a gestão coletiva de direitos autorais, e dá outras providências.

As alterações foram significativas, mormente continue o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) como órgão centralizador da arrecadação e distribuição das cobranças realizadas pela execução pública das obras musicais.

A nova Lei n. 12.853/2013 veio modernizar o sistema de gestão coletiva, objetivando garantir maior transparência, eficiência e fiscalização efetivas por parte dos titulares dos direitos e da própria sociedade.

  1. Reforma da Lei de Direito Autoral

A reforma do Direito Autoral no país é inexorável, para que se possa buscar um equilíbrio entre interesses públicos e privados, equacionando vários fatores:

  1. é preciso conciliar os interesses dos trabalhadores criativos (autores),

  2. preservar os interesses econômicos dos investidores (parte necessária da cadeia produtiva de obras culturais), e;

  3. garantir a disponibilidade e o amplo acesso do público, o qual detém interesses sociais legítimos no acesso à cultura, além de pagar a sua conta.

A atual superproteção ao investidor, mitiga a figura central do autor/criador e termina por criar falhas de mercado e levar à ineficiência econômica – o que, em tese, é exatamente o oposto do que deveria realizar.

A reforma da lei deve ser elaborada por um pensamento sistêmico que compreenda os paradigmas tecnológicos da Sociedade Informacional, não mais com os olhos voltados ao passado, mas que  seja fruto de um pensamento jurídico estruturante de uma nova sociedade tecnológica e culturalmente includente.

A visão geral da reforma da Lei de Direito Autoral deve partir de duas origens:

  1. Plano Internacional, na observância da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) de 2005;

  2. Plano Constitucional, na observância do teor da Emenda Constitucional n. 48/2005

A revisão da lei deve ser norteada por um pensamento sistêmico através do qual, a de construção do novo texto legislativo, não seja uma parte isolada das demais áreas do ordenamento jurídico, como muitas vezes se percebeu, como se o Direito Autoral pudesse ser um sistema autorreprodutivo, que não se comunica com as demais instâncias de formação e construção de interpretação.

A revisão da Lei Autoral deve seguir de maneira clara e direta os princípios norteadores nos planos Internacionais e Constitucional, deixando explícita a necessidade de estimular a criação artística compatibilizando os direitos autorais com os direitos culturais, a livre iniciativa, a livre concorrência, os direitos dos consumidores e os demais direitos constitucionalmente garantidos.  

Por fim, a reforma da legislação autoral deverá ser orientada pelo equilíbrio entre os ditames constitucionais de proteção aos direitos autorais e da garantia do pleno exercício dos direitos culturais e dos demais direitos fundamentais e pela promoção do desenvolvimento nacional.