Direitos Intelectuais: tendências e novos desafios

 Prof. Dr. Guilherme Varella – As políticas públicas de cultura em um Estado anticultural

A intervenção do Prof. Dr. Guilherme Varella foca em uma análise ampla e conjuntural das políticas públicas brasileiras atuais no que toca à cultura, abrangendo também a cultura digital, os direitos autorais e propriedade intelectual.

Primeiramente, o Professor destacou o abandono de uma agenda política de incentivo à cultura, outrora progressista, em favor de um desmonte das estruturas institucionais e dos direitos culturais como um todo, atribuindo tal regressão principalmente ao Poder Executivo, por conta da perseguição à classe artística, estrangulamento dos orçamentos, e esvaziamento de agendas fundamentais ao desenvolvimento cultural.

Em seguida, ele conceitua o termo “Estado Anticultural”, fazendo referência ao entendimento do filósofo e jurista Peter Häberle sobre o Estado Democrático de Direito, regido não apenas por princípios políticos, mas sobretudo por princípios culturais. Nesse sentido, o Estado ocidental contemporâneo é fruto de um fenômeno de hegemonização cultural da sociedade, cristalizado por uma “Constituição cultural” de determinada sociedade em determinado momento.

Portanto, a cultura pode ser vista tanto como o substrato valorativo no qual o ordenamento jurídico é baseado, quanto como direito a ser tutelado, quanto como aparato institucional com o fim de concretização destes direitos.

Dessa forma, houve a instauração de um “Estado Anticultural” no Brasil, com a corrosão de premissas culturais que estruturam o Estado contemporâneo. Dessa mesma forma, os direitos culturais vêm sendo desvalorizados, negligenciados e abandonados e o Direito da Cultura (aparato institucional) vem sendo dissolvido e fragmentado de modo que não possa mais atingir suas finalidades.

Logo após, foi introduzida a noção de criminalização burocrática do campo cultural, com contratos abusivos, cortes de financiamento, fechamento arbitrário de exposições, perseguição da classe artística nas redes sociais, etc.

Além dos temas pontuados acima, a atuação ativa estatal contra o setor cultural se dá também pela interrupção de agendas já consolidadas e de suma importância para o setor cultural, como, por exemplo, o abandono do projeto de uma nova Lei de Direitos Autorais, a instauração de uma política anacrônica de combate à pirataria e a ausência regulatória da economia digital.

As perspectivas para o futuro, por sua vez, são otimistas. Com a entrada de um novo governo Lula, as políticas públicas de fomento à cultura provavelmente serão retomadas e ampliadas, com a edição de novos projetos de lei, a fim de que o Direito Cultural no Brasil finalmente contemple as novas tecnologias que vêm surgindo cada vez mais rápido.

 

Prof. Dr. Guilherme Carboni – Propriedade Intelectual Generativa

De início, o Professor apresenta uma provocação a respeito das tentativas de adequação legislativa às novas tecnologias. Muito é falado sobre metaverso, NFTs, streaming, etc. e pouco é falado sobre as estruturas-chave sobre as quais o Direito Autoral se apoia.

Propriedade generativa tem como base valores ecológicos, comunitários e necessidades das futuras gerações. Dessa forma, o instituto da propriedade só faz sentido na medida que contempla tais valores. É conceito oposto à noção de propriedade extrativista.

O conceito de propriedade generativa nos faz ponderar a dúplice exclusão/inclusão no direito de propriedade e como podemos balancear a exclusão e o acesso. A propriedade, de maneira geral, tem um papel de exclusão. O mesmo é aplicável para a Propriedade Intelectual.

Deve-se ponderar, portanto, como a Propriedade Intelectual pode ser retrabalhada para ser mais inclusiva, alcançando também os não-proprietários, que seriam incluídos no direito de uso de determinada coisa.

Hoje, na Inglaterra e Países Escandinavos, existe um direito de vaguear (ou “roam”), mas são meras exceções, nunca se tornaram princípios de pleno direito. Seria possível a aplicação analógica à Propriedade Intelectual? Seria possível elevar o patamar da inclusão de mera exceção a princípio de direito? O Professor entende que deve haver limitação do poder de exclusão quando social ou ecologicamente justificável.

No entanto, o poder de exclusão também é importante no direito de propriedade, para que as pessoas tenham espaço para desenvolver suas personalidades. Mesmo do direito de vaguear escandinavo, os arredores próximos da residência são excluídos, para a proteção da privacidade. Como tudo no Direito, um eventual princípio da inclusão deverá ser aplicado de maneira ponderada.

Por fim, o crescimento da economia digital cria novos arranjos produtivos e proprietários, como criações colaborativas, co-titularidades no campo do código e cooperativismo de plataformas. O marco legal e regulatório deverá acompanhar tais mudanças, e tal acompanhamento depende de uma ponderação e adequação das estruturas-chave do direito de propriedade.

 

Prof. Dr. Wilson Roberto – Novos desafios para os Direitos Intelectuais no Metaverso

Inicialmente, o Professor conceitua o termo “Metaverso”, que pode ser definido como uma rede de mundos virtuais que tentam replicar a realidade, com foco na conexão social, de tal modo que as fronteiras entre o mundo físico e virtual se dissolvam cada vez mais. O metaverso como o conhecemos hoje possui alguns importantes antecessores, os quais sejam: 

  • Romance de ficção científica “Snow Crash” de autoria de Neal Stephenson;
  • Jogo virtual “Second Life”, criado por Philip Rosedale;
  • Sega VR.

Logo após, o conceito de NFT (non-fungible token) é apresentado. Nada mais é do que uma unidade de informação digital, armazenada em blockchain, sendo esta não intercambiável com objetos similares ou idênticos. No campo da Propriedade Intelectual, NFTs são importantes na garantia do princípio da anterioridade e como registro de comercialização de determinado direito autoral. Hoje, é um mercado muito voltado para jogos e avatares, cuja capitalização excede US$ 15 bi.

O mundo virtual pode ser bidimensional, quando recria os ambientes do mundo real, com interação por meio de recursos de navegação, ou tridimensionais, que consiste nas experiências de imersão e realidade aumentada. Nesse caso, o usuário interage por meio de avatares.

O jurista Pereira dos Santos entende haver três tipos de criações intelectuais dentro do mundo digital:

  • A plataforma virtual representada por um sítio virtual e implementada por um programa de computador;
  • O ambiente virtual implementado por um programa de computador e representado por regras que possibilitam a interação entre usuários;
  • As distintas criações individuais que são incluídas e que podem ser, portanto, obras originárias ou derivadas.

Ainda, o mundo virtual pode ser entendido como um modo de expressão, por meio de User Generated Content. Para o direito, tal conteúdo pode ser o material que o próprio usuário cria (originariamente ou de maneira derivada) e o material de terceiro que o usuário inclui no ambiente virtual. Ambas as situações geram repercussões importantes no campo do direito autoral. No entanto, vale ressaltar que ne toda a inserção pelo usuário no metaverso pode ser considerada uma obra intelectual, mas somente as divisíveis e autônomas perante o conjunto.

A titularidade do usuário dos direitos de propriedade intelectual por ele gerado é uma inovação do metaverso, uma vez que tais ativos podem ser comercializados dentro e fora destes ambientes, inclusive utilizando-se NFTs. Vale lembrar que não necessariamente o objeto do NFT é a cessão do direito autoral, mas via de regra a aquisição de ativo digital e seu direito de fruição.

Da mesma forma que o usuário pode criar conteúdo, pode também incluir criações de terceiros no mundo virtual. Nesse caso, devem ser observadas as hipóteses de uso livre, bem como a obtenção das autorizações cabíveis.

Por fim, as grandes marcas também vêm garantindo seus registro para compatibilização com o metaverso. Diante de todo o exposto, conclui-se que o metaverso, NFTs e ativos digitais como um todo vêm ganhando cada vez mais espaço, se tornando cada vez mais comuns elementos de interação com o mundo à nossa volta.

Profa. Ms. Isabella Neumann Esquenazi – Desafios da produtora independente na era do streaming

A regulação do mercado audiovisual independente se dá, principalmente, por meio das Leis nº 8.685/93 (Lei do Audiovisual), nº 12.485/2011 (Lei do SeAC) e pela Medida Provisória nº2.228-1/2001 (fomento público direto). No entanto, com o abandono estatal da regulação, não houve a renovação da cota de tela, levando a um sucateamento das produtoras independentes.

O fomento direto se dá pela CONDECINE, que é um tributo recolhido com a finalidade de reinvestimento no setor cultural, por meio de editais públicos destinados a longas-metragens e obras para televisão. Já o fomento indireto ocorre por meio da dedução de parte do imposto de renda de determinada pessoa mediante investimento no setor cultural, mediante patrocínio ou coprodução. 

No entanto, os limites máximos de investimento (R$ 4 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente), não cobrem o custo de produção de uma obra cinematográfica ou televisiva de qualidade compatível com o mercado (orçamentos premium), o que acaba gerando desinteresse, principalmente por parte da televisão paga, na produção de obras audiovisuais brasileiras. Nesse sentido, é urgente uma atualização dos referidos valores, o que não ocorre desde 2006.

Nesse contexto de desmonte do fomento público, começa a era do streaming, e os decorrentes contratos de buyout. A produtora se torna mera prestadora de serviços, com a cessão integral dos direitos patrimoniais sobre a propriedade intelectual da obra, levando à perda de controle artístico e ao investimento em produtos comerciais, não necessariamente culturais. Além disso, as pequenas produtoras são cada vez mais abandonadas. 

Ocorre, portanto, a volta de um “colonialismo cultural”, caracterizado pelo total controle estrangeiro sobre as obras nacionais, como visto no case da reestruturação do catálogo da HBOMax, com corte de várias obras latino-americanas.

Ainda, as obras produzidas para plataformas de streaming não podem ser consideradas brasileiras, por se tratar de obras sob encomenda pertencentes a canais internacionais, conforme regulamento da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais.

A era do streaming também agravou o abandono regulatório que vinha ocorrendo nos últimos anos. Como não há nenhuma lei que contemple este tipo de produção de conteúdo, resta um vácuo regulatório, o que permite a atuação sem cotas de tela, reinvestimento mínimo, recolhimento da CONDECINE, e com a aquisição de 100% da propriedade intelectual criada por empresa brasileira.

São apresentados como desafios futuros:

  • Formação de público para o cinema nacional;
  • Formação de mão de obra técnica;
  • Capacidade negocial;
  • Preservação dos direitos dos profissionais envolvidos e da própria produtora;
  • Segurança jurídica e previsibilidade: fomentos e prestação de contas.

Para alcançar tais desafios, a Professora apresenta como possíveis soluções o fortalecimento de políticas públicas e regulamentação do streaming.

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