Direito Autoral, Streaming e Mercado Musical

No dia 04/11/2022, às 11h, foi realizada a palestra “Direito Autoral, Streaming e o Mercado Musical” no XIV CODAIP. A mesa foi conduzida pela Ms. Bibiana Biscaia Virtuoso e teve como palestrantes os professores Dr. Sérgio Branco, Dr. Rodrigo Moraes e Dr. Carlos Taran. A exposição teve como objetivo realizar uma breve incursão pelo mercado da música sob o ponto de vista dos direitos autorais e conexos, tomando como base a era do streaming e os impactos gerados por essas plataformas na monetização dos direitos inerentes aos artistas e intérpretes.

A princípio, o Dr. Sérgio Branco tratou de delinear os pormenores da regulação do streaming no Brasil. Busca-se a percepção desse ponto a partir do que Branco chama de “mundo em transição” — o processo de evolução das novas tecnologias e a consequente modulação dos comportamentos adquiridos pela sociedade contemporânea. Assim, discute-se o impacto dessas novas tecnologias dentro do Direito Autoral, ramo jurídico que, desde seu surgimento no séc. XVIII, é altamente moldado pelas plataformas e suportes em que os artistas e inventores externalizam as criações do espírito, seu objeto de proteção. 

No contexto dessa sociedade informacional, é de notório conhecimento que a maximização das interações trazidas pela internet acarreta uma série de novos cenários que, por muitas vezes, a legislação autoralista pátria não consegue acompanhar. Entrada em vigor em fevereiro de 1998, a Lei de nº 9.610 trata dos Direitos Autorais e Conexos sob uma égide de aplicação e interpretação restritivas. Não obstante grande parte de estrutura e dispositivos sejam bem sucedidos em garantir uma devida segurança jurídica (principalmente quando se trata dos direitos morais de autor), seu caráter mais rígido acaba tornando sua incidência obsoleta quando oposta a novos modelos de suporte.

Trata-se, nesta senda, do problema da pirataria, fenômeno amplamente presente durante o “boom” da internet no Brasil. Essa conjuntura foi ampliada com a popularização das conexões em rede e manifestou-se com mais força nas décadas de 2000 e 2010, propagando-se, ainda que de maneira mitigada, até os dias de hoje. O Dr. Sérgio Branco pontua que, desde sempre, este tem sido tratado como um problema jurídico, sendo seu combate pautado principalmente na criação de leis específicas que punissem a prática. Contudo, o que se observa hodiernamente é que, em verdade, trata-se de uma problemática de cunho econômico. 

Isso porque, conforme bem pontuado pelo palestrante, a prática da pirataria está arraigada na onerosidade e escassez com a qual conteúdos culturais e midiáticos encontravam-se dispostos. Sua propagação nas primeiras décadas do milênio se deu justamente pelo alto preço e baixa disponibilidade de obras originais variadas, motivo pelo qual os usuários buscam na internet o download desses conteúdos de forma escusa. Por isso, entende-se que a solução para este revés reside na simplificação do acesso: com o surgimento de uma alternativa economicamente viável e que proporcione uma maior e mais variada disponibilidade aos conteúdos desejados, a pirataria tornar-se-á uma alternativa preterida. 

Não obstante esta seja uma questão importantíssima na atualidade, o surgimento do streaming manifesta-se em desdobramentos muito mais abrangentes do que apenas a mitigação da pirataria. Tem-se, por outro lado, a segmentação dos nichos dessas plataformas, já que tanto no audiovisual quanto na música há a busca cada vez mais individualizada por conteúdos específicos trazida pela versatilidade dessas plataformas. Nesse ponto, surge o modelo de negócio da “cauda longa”, materializado justamente nessa disposição facilitada e expansiva dos conteúdos postos à disposição do público, cenário que gera uma grande disputa pela atenção dos consumidores.

Asseverando todo esse panorama citado, compreende-se que o streaming, qualquer que seja seu segmento, impacta significativamente o panorama midiático brasileiro. Surge, então, a discussão acerca de sua regulação jurídica: como a normatização do streaming seria revertida em prol do mercado interno? Pois bem, entende-se que, como suportes que geram grandes receitas a partir da exibição de expoentes midiáticos e culturais que utilizam os consumidores brasileiros como fonte de monetização, deve haver um retorno ao mercado doméstico.

Contudo, a legislação brasileira atual não compreende mecanismos efetivos de arrecadação para o fomento do mercado nacional; até houveram discussões sobre o enquadramento do streaming de vídeo na CONDECINE, porém a Lei 14.173/2021 incluiu o art. 33-A na Medida provisória 2.228/2001, definindo que não deve ser cobrada a taxa para ofertas de vídeo sob demanda – os streamings. Assim, enquanto alguns países como França e Coreia do Sul já realizam políticas culturais voltadas para o retorno financeiro ao mercado interno com base na retribuição de produções audiovisuais veiculadas por streaming, o Brasil ainda permanece em situação incipiente, não obstante o uso dessas plataformas já estar consolidado no território há anos.

Na margem desse liame explicativo, a pauta do Dr. Rodrigo Moraes analisa essa preocupação quanto à remuneração para o mercado interno na esfera dos streamings musicais. A questão central pauta-se na arrecadação de direitos autorais e conexos por meio da gestão coletiva, a qual visa o fomento e incentivo aos artistas e intérpretes nacionais. 

Cita-se, nesse âmbito, a decisão proferida pelo Ministro Villas Bôas Cueva em sede do Recurso Especial nº 1559264/RJ, o qual, atuando como um leading case, passou a considerar o streaming de obra musical no ambiente digital como execução pública, permitindo que o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) proceda à arrecadação e cobrança dos direitos autorais e conexos dessas obras sob a égide da gestão coletiva de direitos. Esse é um passo crucial para o mercado de mídia brasileiro, vez que, além de adequar-se às demandas urgentes dos novos panoramas advindos das novas tecnologias (nesse caso, o streaming), a decisão fornece às entidades de gestão coletiva amparo para concretizar sua função institucional e atuação como fomentadora da produção criativa.

Não obstante este venha a ser um passo importante para a indústria nacional, a qual reacende a esperança por um mercado mais justo, restam mazelas a serem superadas. Isso porque, apesar da decisão ter sido pontual em seus fundamentos, os players no mercado ainda falham em prosseguir com o devido pagamento aos respectivos profissionais pela execução de suas obras. Nesse ponto, o ilustre Rodrigo Moraes traz exemplos de agentes que mantêm-se inertes no pagamento de direitos conexos aos artistas intérpretes das obras veiculadas. De maneira alarmante, percebe-se que os principais players, como Spotify, Deezer e Apple Music apenas procedem com o pagamento de direitos autorais.

Essa é uma situação gritante, principalmente quando se pensa no descontrole sobre a arrecadação e distribuição de direitos autorais nas redes, tanto no audiovisual quanto na música. Os problemas são muitos: ausência de regulamentação, mecanismos falhos de supervisão estatal e, principalmente, a falta de informação. 

Carlos Taran, a respeito de tal linha, pontua que essa barreira gerada pela falta de informação, principalmente acerca da forma de monetização das plataformas, impede o devido retorno financeiro aos artistas e intérpretes. A conjuntura mostra-se ainda mais gravosa tendo em vista que, em meio a um mundo em que a tecnologia tomou conta da nossa forma de consumo, os agregadores são a via mais profícua para a distribuição ampla. É, portanto, o meio mais importante pelo qual os artistas, principalmente os independentes, conseguem veicular suas obras. Logo, urge a efetivação de medidas que permitam uma prestação de contas fidedigna e o justo repasse dos valores àqueles a que lhes são de direito.

Com isso, é notório que os novos modelos de negócio trouxeram inúmeras questões a serem tratadas e assimiladas pelas entidades responsáveis pela gestão coletiva de direitos autorais. Porém, em que pese o tamanho do desafio, é preciso pensar de maneira crítica e demandar, principalmente na via política e legislativa, a aplicação de medidas responsáveis por proceder com o justo pagamento aos criadores da obra autoral. Todos os envolvidos com o tema urgem pelo aprimoramento do sistema de recolhimento de Direitos Autorais e que, com isso crie-se um ambiente mais profícuo para a criação cultural e intelectual, seja na música, seja em qualquer outro segmento.

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