Direitos Intelectuais novas fronteiras de criação e produção

O Palestrante inicia sua exposição ponderando que, classicamente, o enfoque aos Direitos Intelectuais se deu conforme uma perspectiva privatista por essência, isto é, sempre atrelado ao Direito Privado, em relação jurídica que circunscrevia a figura dos Interesses do Titular desses Direitos Intelectuais em face de Interesses de outros Particulares. Em vista dessa concepção que, segundo seu entendimento, se demonstra ultrapassada, o Palestrante propõe, ab initio, o deslocamento desse campo de visão para a esfera pública, e assim promoveu a partir da notícia de Acordo celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

O objeto do mencionado Acordo circunscreve a promoção de depósitos de pedido de registro de marcas de Programas de Políticas Públicas Judiciárias e Programas de Computador (softwares) desenvolvidos pelo próprio CNJ. Isto é, de um estímulo ao reconhecimento de Direitos de Propriedade Intelectual titularizados por Órgão do Poder Judiciário, razão pela qual permitir-se-á que o CNJ exerça as faculdades inerentes ao domínio sobre esses bens intelectuais.

Nada obstante, o Palestrante alertou que o Acordo não representaria um ‘marco inicial’ deste ‘giro’ na perspectiva dos Direitos Intelectuais (Privado ao Público). Assim, à guisa de exemplo, rememorou da Resolução n. 7035/2014 da USP, que disciplina o método de proteção jurídica do esforço intelectual de Pesquisadores da Universidade e da distribuição de royalties.

Ato contínuo, o Palestrante destacou que, além dos diversos depósitos de pedido de registro de marcas, o CNJ igualmente depositou 12 pedidos para obter a patente de Programas de Computador (softwares) que são utilizados à prestação jurisdicional. Este foi novel ponto de destaque feito pelo Palestrante, pois identificou que ausência de preocupação, no passado, de melhor proteger todo esse Patrimônio Imaterial desenvolvido com recursos públicos e fruto do esforço de Funcionários Públicos, representava um entrave à melhora para a execução dos serviços públicos. Assim, afirmou que isto representou um marco importante que espelha a segurança e o fomento nesta área, de direitos de PI da Administração Pública, bem como constituiu importante diretriz a percorrer.

Em seguida, preocupou-se em destacar os amplos benefícios que toda a Coletividade poderá ter, como da maior segurança de que os softwares – frise-se: utilizados pelo e para o Jurisdicionado, atrelado à prestação jurisdicional – não serão descontinuados, uma prestação jurisdicional mais célere a partir dos aperfeiçoamentos (iteração) nos Programas, a proteção dos recursos públicos que são investidos em tecnologia da informação (TI) no Poder Judiciário etc., sem que necessite recorrer, por exemplo, a Empresas Privadas Terceiras para a ferramenta de prestação aos Jurisdicionados. Concluiu-se que este inovador olhar deve se alastrar para os demais Órgãos da ADM Pública e dos Poderes.

Desse modo, o Palestrante propõe a mudança do olhar mais tradicional e restrito aos Interesses Privados ao Público, de modo não a apenas legitimar as novas formas de receitas distintas de Tributo, mas bem como fomentar que ADM Pública seja incentivada à iteração de seus bens intelectuais e, ao fim e a cabo, atender ao Interesse Público que legitima os Direitos Intelectuais. Isso porque, ao fim e a cabo, resulta no fomento e desenvolvimento de ferramentas que façam da prestação jurisdicional [ou de serviço público lato sensu] algo que realmente possa traduzir na mais adequada utilidade para o Cidadão.

Comentário: Promove-se uma releitura acerca da clássica concepção sobre os Direitos Intelectuais – notadamente, aos Direitos de Propriedade Industrial – de que estes seriam constituídos para tutelar os bens frutos de atividade criativa do Ser Humano (de fito utilitário, estético, ornamental ou distintivo) e, com isso, ‘compensá-lo’ e, ao mesmo tempo, ‘estimulá-lo’ a produzir inovadoramente, de modo a atender os seus Interesses. Assim, a partir da notícia do Acordo entre o CNJ (Órgão do Poder Judiciário) e o INPI (Autarquia Federal responsável pelo exame e emissão de Títulos de Propriedade de Direitos Industriais), o Prof. Dr. Walter Godoy dos Santos Jr. segue a contemporânea concepção de que esses Direitos (excepcionais) devem pautar-se não apenas no atendimento daqueles Interesses Privados – no contraste linear de “Interesse do Titular” e “Interesse de Concorrentes e/ou Terceiros” –, mas, primordial e primariamente, no que a Tábua Axiológica de nossa Ordenação preconizou como elemento legitimador: o Interesse Social. Em complemento, através da compreensão levantada pelo Palestrante, torna-se possível, igualmente, superar o restrito campo de visão analítico a respeito das relações jurídicas envolvendo Direitos Intelectuais (em específico, aos Direitos de Propriedade Industrial), pois não mais se apresentam pela linear concepção abordada anteriormente, mas que se desenvolvem em meio às relações jurídicas complexas – i.e., com a existência simultânea de distintos direitos e deveres a todos os Sujeitos de Direito – na qual figuram distintos núcleos de interesse (Inventor/Autor, Titular, Estado – Constitutivo ou Desconstitutivo do Direito e como Órgão Regulador –, Concorrência, Consumidores e Meio Ambiente). Aliás, a notícia trazida à baila pelo Palestrante reflete importante reflexão a respeito da figura do Estado (Poder Público) em meio aos distintos núcleos de interesse, pois, em termos conservadores, este era tido quase-que-sempre como mero Sujeito de Direito que constituía ou não constituía o Direito de Propriedade Industrial ou como Estado Regulador. Atualmente, entretanto, verifica-se a figura do Estado como Proprietário do Direito Intelectual e, a partir disso, reflexos em melhorias e seguranças explanadas pelo Palestrante, com enfoque no reflexo que seria o aprimoramento da prestação de serviço público, seja em quantidade, qualidade ou de preço. Assim, não mais o Poder Público estaria dependente à celebração de negócio jurídico (de Contratos de Licenciamento) com Empresas Privadas e que, inclusive, estaria em posição de Licenciador e por vias de consequência, ter novo meio para capitanear novas receitas. Em conclusão, pensa-se que o movimento melhor atende ao Interesse Social.

 

Profa. Dra. Clarissa Someson Tauk – “Falência e Concorrência Desleal”:

 

A Palestrante comentou sobre a arrecadação de ativos intangíveis em meio a Processos Falimentares, dado que se encontram inseridos na ideia de realocação produtiva (útil) do ativo, que possibilita a preservação de atividades empresariais que surgem em razão da retirada da Empresa Falida do mercado, mediante o reaproveitamento de seus ativos que antes estavam vinculados a uma atividade improdutiva. De início, a Palestrante realizou um recorte inicial para identificar o Modelo Brasileiro de Insolvência. Desse modo, examinou que este seria inspirado no Modelo Estadunidense (Bankruptcy Code), no entanto, asseverou que a nossa Política Normativa, que resultou em recente alteração legislativa, não seria a mesma como consagrada no Direito Estadunidense. Isso porque, o Modelo Estadunidense foi criado para preservar os Interesses do Credor, negando-se a preservação das Empresas como objetivo do Sistema Concursal, de modo a maximizar os ativos do Devedor em favor dos Credores.

De modo distinto, ponderou que o Modelo Brasileiro (Bankruptcy Choice) exige que as regras do Sistema Concursal devem ser direcionadas para uma preservação dos valores sociais decorrentes da manutenção da Atividade do Empresário (perfil funcional da Empresa). Assim, a Falência, no Direito pátrio, seria o mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais que são decorrentes da Atividade Empresarial, via liquidação imediata do Devedor e da rápida realocação útil de ativos da Empresa. Em seguida, explicou-se como que se tornaria possível alcançar este fim, de preservação de uma Empresa que se encontraria em meio a um Processo de Falência.

Primeiro, destacou-se o instrumento de realocação produtiva do ativo da Empresa, pois possibilita a preservação das Atividades Empresariais em razão da retirada do mercado daquela Empresa Falida, mediante o reaproveitamento de seus ativos que antes estavam vinculados a uma atividade “improdutiva”. Ocorreria, desse modo, uma espécie de “substituição” do Agente Insolvente – i.e., da Empresa Falida que não mais possuiria ativos ‘interessantes’ para o exercício daquela específica Atividade Empresarial –, será adquirido por um Terceiro Empreendedor que, por ventura, continuará o exercício de exploração da atividade econômica – agora, de forma produtiva social e economicamente. No âmbito da Propriedade Intelectual, na qual as Sociedades Empresárias são titulares de diversos ativos intangíveis (Marcas, Patentes, Desenhos Industriais, Goodwill etc.), destacou-se que este instrumento de realocação produtiva do ativo se deflagraria com maior adequação. Assim, o Terceiro Empresário irá adquirir os ativos intangíveis e continuará a explorar aquele Direito Intelectual. Forneceu-se o exemplo do caso da Sociedade Empresária “Giovanna Baby”.

Em seguida, após a explanação dos pontos cardeais acerca do Modelo e Sistema Falimentar Brasileiro e o papel da Propriedade Intelectual nos ativos intangíveis de Sociedades Empresárias Falidas, a Palestrante destacou que o Instituto da “Falência Continuada” poderia ser muito bem utilizado para que se alcance o fim desejado de manutenção da Atividade Empresarial produtiva. Explicou-se que o Instituto permite que a Atividade antes exercida, ainda que em quebra, pode continuar a ser explorada, não pelo mesmo Empresário, mas pelo Administrador Judicial (AIJ). No entanto, ressalvou que essa opção seria apenas desejável, na prática, quando se revelar interessante aos Credores, no sentido de conseguir maior valoração dos ativos intangíveis. Nesse sentido, por exemplo, certa Empresa, em meio a um Processo Falimentar, continuaria a explorar a Marca (Registrada), pois, desse modo, quando se alcançar a fase de arrecadação de venda, o cenário a ser apresentado pelo Terceiro adquirente do ativo intangível seria o mais favorável possível, de que ainda estaria em uso como marca no Mercado e, assim, possuindo alta valoração econômica.

 

Comentário: Os ativos intangíveis, destarte, podem ser utilizados como meios ou instrumentos promocionais da manutenção do perfil funcional da Empresa, de modo a permitir a manutenção no respectivo nicho mercadológico, mesmo que gerenciado por Empresário distinto (perfil subjetivo da Empresa). Todavia, é interessante notar que a avaliação dos ativos intangíveis, a depender do estágio ou momento no qual for promovido o exame técnico pelo Expert, é ponto sensível que atua em contraponto aos interesses dos Credores. Afinal, os ativos intangíveis são objeto de instantânea apreciação ou depreciação no mercado, em especial na seara tecnológica (vide: patentes e softwares), cujos bens intelectuais sofrem com o fenômeno da obsolescência. De todo modo, a Palestrante retrata e providencia importantíssima concepção de que os Direitos de Propriedade Intelectual, como ativos intangíveis de Grandes Empresas (em geral, os Titulares, muito embora não sendo os Criadores), servem como um meio para que se atinja o fim que o Sistema Falimentar pátrio propõe de poder conservar a Atividade Empresarial produtiva e, assim, atender à função social. No mais, ressalta-se que esta visão acerca dos Direitos Intelectuais como meio ou instrumento de preservação da Atividade da Empresa se reflete tanto para as Empresas “quebradas” como as em “pleno funcionamento” como direito real de garantia, como o penhor (vide: Enunciado 668 do CJF). 

 

Profa. Dra. Caroline Someson Tauk – “Criações de Inteligência Artificial”:

 

A Palestrante destacou, de início, os tipos de Criações da Propriedade Intelectual que guardam algum tipo de participação da Inteligência Artificial (IA). Destacou-se, assim, as obras intelectuais – como livros, produções artísticas de belas artes, artigos científicos etc. – e de inventos – como medicamentos na indústria farmacêutica e maquinários de engenharia – realizados por influência da IA. Assim, como exemplo ilustrativo do atual Estado da Arte e da Técnica, a Palestrante comentou de uma Criação Intelectual de fito Estético representada em Obra Artística nomeada “The Next Rembrandt” (“O Próximo Rembrandt”), que foi produzida, integralmente, por um Sistema de IA, ou seja, uma forma sistematizada que é desenvolvida para imitar o comportamento humano que se alimenta via processo de machine learning (aprendizado de máquina), sendo o conjunto de instruções matemáticas sequencial de tarefas para se alcançar um determinado resultado esperado em dado recorte temporal limitado.

Ato contínuo, avaliou-se que este seria apenas um exemplo da interação do Ser Humano com a Máquina, resultando em forte impacto na Propriedade sobre a obra intelectual. Isto é, exempli gratia, se o ato criativo resultou apenas do Sistema de IA – logo, a priori, sendo a “autoria” ou “paternidade” da obra da IA –, ou que a atuação do Ser Humano sobre o Sistema seria fundamental para a produção do bem intangível – logo, com a autoria pertencente à Pessoa.

Assim, a Palestrante alcançou conclusões em se tratando de situações distintas. Primeiro, nos casos em que o Sistema de IA teria funcionado como a ferramenta de auxílio ao trabalho do Ser Humano, então, não haveria que nem se cogitar em possível atribuição de “autoria” à Máquina, ao passo que o ato da Pessoa Humana e sua contribuição foram substanciais e preponderantes para à consecução da atividade. Em miúdos, em se tratando de casos nos quais o Sistema de IA foi utilizado como meio ou instrumento pelo Ser Humano – como na situação de se acelerar e conferir eficiência ao processo de produção de tratamentos de doenças, no âmbito da Propriedade Industrial. Com efeito, o Inventor será a Pessoa Humana que, atuando em interação com a Máquina, produziu a respectiva Criação Intelectual, fruto de trabalho intelectual próprio.

Segundo, comentou-se sobre situações mais “limítrofes”, ao passo que a polêmica discussão e exame acerca da “autoria” das Criações se torna ganha contornos mais turvos. Isso porque, em casos nos quais o Sistema de IA tenha gerado trabalhos inovadores com a mínima intervenção humana – i.e., dotado de autonomia no sentido de o trabalho ter sido produzido pelo Sistema (saída ou output) resultado de atuação isolada, independente do que é alimentado pelo Humano (entrada ou input). A título de exemplo, a Palestrante abordou sobre o caso do “e-David Robot”, um robô criado na Universidade de Konstanz (Alemanha) que funciona por software criado pelos seus Programadores e que possui uma câmera embutida que lhe permite, de forma autônoma, tirar novas fotos. Outro exemplo fornecido, relativo ao “DABUS Robot”, um Sistema de IA desenvolvido por Stephen Thaler como uma “máquina de criatividade” e que, supostamente, teria produzido, autonomamente, duas invenções patenteáveis. Nesses casos, ainda assim, por mais que a “participação humana” tenha sido “mínima”, isso não retiraria a Autoria pertencente à Pessoa Humana em favor da Máquina, pois, ainda assim, seria a Criação fruto da atividade criativa não do Sistema de IA, mas da mente humana, pois apenas a esta é inerente.

Comentários: A discussão acerca da possibilidade jurídica de se identificar a “autoria” de Criações Intelectuais a Sistemas de IA não é – e está distante de ser – pacífica em Doutrina. Isso porque, em nosso Sistema Atributivo de Direito da Propriedade Intelectual – notadamente no campo dos Direitos de Autor –, a criatividade é uma característica inerente à Pessoa Humana, reconhecida, portanto, como atributo particular dos Seres Humanos, dado o elevado grau de influencia da corrente Antropocêntrica sobre a forma de pensar. Traduzem as Obras de fito Estético como criações do espírito, ao passo que representam o liame entre o Criador e sua Criatura, cujo sua personalidade reflete-se na Obra expressa no suporte material, que representa o trabalho intelectual. Não atoa o contributo mínimo (originalidade) ser difundido, na doutrina especializada,  como m sentido subjetivo, em relação à esfera pessoal do Autor. O mesmo raciocínio aplica-se às Criações de fito Distintivo, Ornamental e Utilitárias, dado o direito à paternidade das Criações do Intelecto é direito personalíssimo. No âmbito das Criações Utilitárias, ademais, o raciocínio não se alteraria, visto que o invento (invenção ou modelo de utilidade) apresenta elemento de existência à intervenção antrópica na natureza das coisas, ou seja, da ação humana no Estado Natural em que as coisas se encontram, de modo a gerar, assim, uma solução técnica para problema de ordem técnica. Há quem sustente, aliás, que as Criações autonomamente constituídas pelos Sistemas de IA, na linha pela impossibilidade jurídica de conferir-lhes o status de Autor ou Inventor, já nasceriam inseridas no espaço de livre circulação e exploração desses bens intelectuais que se denomina domínio público.

 

Profa. Dra. Márcia Maria Nunes – “PI e Estratégias de Desenvolvimento”:

A Palestrante salientou, em princípio, que a sua contribuição versaria sobre a discussão acerca do artigo 124, inciso III da LPI, que expressamente consagra que não são registráveis como Marca, por Política Legislativa, todos os sinais que, embora distintivos, são “contrários à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração”. Assim, procurou-se, mediante profundo escrutínio e pesquisa na base de dados do INPI, como que estaria a Autarquia Federal decidindo sobre eventuais pedidos de registro de Marcas que poderiam, ou não, atentar contra a “moral e aos bons costumes”, notadamente, visto se tratar de conceito aberto e subjetivo para cada indivíduo. Depois de apresentar dezenas de pedidos de registro marcário que foram indeferidos pelo INPI e realizado o contraste com aqueles que a Autarquia Federal deferiu, concluiu-se que subsiste, no Estado da Arte, muita contradição e completa ausência de uniformidade nas decisões administrativas exaradas pelos Examinadores do Instituto.

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