Era das Tecnologias e Interesse público com foco na justiça social

INTRODUÇÃO 

No 04 de novembro deste ano (2022), em ocasião do segundo dia de atividades do  XVI CODAIP (Congresso de Direito de Autor e Interesse Público), promovido e  transmitido pelo GEDAI no canal do Youtube do IODA, ocorreu a roda de conversa na  mesa 9.1, cujo tema era Tecnologias e Interesse público: justiça social. O grupo de  expositores incluía: o Prof. Dr. Raul Siqueira, controlador geral do estado; a Prof.ª Dra.  Genevieve Paim Paganella, juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Paraná; o Prof. Dr.  Jean Sales, gerente da Celepar; e a Profª. Dra. Renata Carvalho Kobus, mestra e  doutoranda pela UFPR. A moderação foi realizada pela Profª. Dra. Márcia Carla Pereira  Ribeiro. Assim como indica o título, as discussões da mesa foram norteadas pelos  impactos do Blockchain na administração pública e os aprimoramentos que essa  tecnologia traria ou traz ao atendimento dos interesses públicos 

O QUE É BLOCKCHAIN? 

Blockchain é uma tecnologia comumente definida como um livro-razão, no qual  se registram transações. Contudo, segundo Fabíola Greve, et al. (2018), sua evolução  superou esse conceito inicial: a princípio, com o lançamento da Bitcoin em 2008, a  Blockchain era utilizada para registrar as transações realizadas com esse cripto -ativo; por  volta de 2013, passou a ser empregada no desenvolvimento de contratos inteligentes;  contemporaneamente, seu uso transcendeu para além da área financeira.  

Suas principais características são a descentralização, pois eliminou a necessidade  de um intermediário confiável em transações ou troca de informações, e o consenso. É  por meio de mecanismos de consenso que todos os integrantes da rede podem ter certeza  acerca da veracidade de certo dado registrado da Blockchain. 

RODA DE CONVERSA 

Por essência, a roda de conversa foi realizada de forma informal, com perguntas  feitas pela mediadora Profa. Dr. Márcia Carla Pereira Ribeiro e respostas dadas pelos  convidados Prof. Dr. Raul Siqueira (controlador geral do estado do Paraná); Prof. Dr.  Genevieve Paim Paganella (juíza de direito do TJPR); Prof. Dr. Jean Sales (gerente da  Celepar); e a Ma. Renata Carvalho Kobus (mestre e doutoranda pela UFPR). 

Inicialmente, os palestrantes foram instigados a refletirem sobre os impactos da  tecnologia e especialmente da Blockchain para a administração pública. O Dr. Jean Sales 

explicou que seu local de atuação, a Celepar, é uma instância tecnológica do estado criada  para trazer soluções, sendo pioneira em diversas tecnologias, a exemplo da digitalização.  Manter documentação em papel ensejava problemas como perda de documentos e  falsificações, contudo, as digitalizações também tinham sua eficácia questionada por  ocuparem muito espaço de armazenamento. Ou seja, seria necessário migrar  definitivamente para o digital. 

Já na perspectiva da Ma. Renata Carvalho Kobus, a qual está pesquisando sobre  Blockchain, essa tecnologia tem potencial de assegurar o Princípio da Transparência dos  serviços públicos ao impedir que, por exemplo, ações de improbidade administrativa  sejam perdidas em incêndios. A transparência decorre do fato de que a Blockchain é uma  rede distribuída, na qual todos teriam acesso a todas as informações e, mediante  mecanismos de consenso, teriam liberdade para definir as regras do jogo e como serão a  validadas as informações registradas. 

Outra vantagem por ela destacada é a imutabilidade, não no sentido de que nada mais  poderá ser alterado uma vez colocado lá, mas sim, no sentido de que quaisquer ações e  modificações feitas na rede sempre serão registradas. Assim, não será possível  intencionalmente destruir determina informação sem que o responsável por isso seja  facilmente identificável. Funciona, portanto, como um livro razão que resiste à  adulteração. 

Renata Kobus, a fim de ilustrar os benefícios trazidos pela Blockchain recorre ao  exemplo de como essa tecnologia poderia ser aplicada em processos licitatórios. Nesses  há uma burocracia muito grande, especialmente na fase interna, quando os candidatos  precisam juntar uma série de documentos. Uma vez implanta a Blockchain nos mais  diversos órgãos públicos, esses poderiam compartilhar as informações necessárias entre  si sem que o candidato do certame precise empenhar tempo e recursos para reuni-las. 

Seguindo com os exemplos, a doutoranda destaca o Acórdon 1613/2020 do TCU,  que compilou vários tipos de serviços prestados pelo setor público que estão sendo  realizados por meio da Blockchain no Brasil: a Universidade Federal da Paraíba está  emitindo diplomas; a junta comercial do Ceará está efetuando em 36h atividades que antes  levavam 260 dias; o município Santa Cruz da Esperança, em São Paulo paga catadores  de latinha por essa rede. Ou seja, a tecnologia em questão pode ser usada para grandes e  pequenas operações. 

No âmbito internacional, a palestrante citou a Estônia, onde todos os cidadãos, quando  nascem, são colocados na Blockchain, isto é, na rede ficam registrados seu registro de  vacinas, comprovante de residência, certidão de nascimento, entre outros dados e  documentos que os brasileiros mantêm no papel, e frequentemente perdem. Por fim,  sugere que a Blockchain empregada no sistema eleitoral brasileiro. Esse ano (2022),  vários eleitores tiraram o título de eleitor ou o transferiram, a fim de tomar parte no  processo democrático nacional. Contudo, muitos enfrentaram grandes dificuldades, tais  como a da palestrante, cuja mãe é divorciada, mas em algumas instâncias seu nome não  foi atualizado, e o TSE o acusava errado caso não fosse inserido o nome de casada. 

A magistrada Genevieve Paim Paganella então se pronunciou, comentando que até o  final de 2023, por determinação do CNJ, todos os estados da federação devem digitalizar 

seus processos, sendo que existem, ao todo, 91 tribunais. Esse processo se mostrou muito  útil ao Paraná, onde ocorreu com agilidade, pois evitou a paralisação total dos serviços  do Judiciário. A justiça brasileira buscou e busca lidar com os fenômenos crescentes da  judicialização com a tecnologia, ainda que haja vulnerabilidades. 

Além disso, os sistemas digitais privados que antes coexistiam com os públicos foram  convertidos em públicos. A Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro interligou  todos os sistemas de todos os tribunais, sistematizando a justiça, otimizando trâmites  processuais e a vida dos advogados. A moderadora comentou a respeito, relembrando que  “na época dela”, os processos eram transportados em carrinhos, tamanho era seu peso e  volume; em seguida, trouxe outra questão à baila: como a Blockchain pode auxiliar em  um controle ex ante dos serviços públicos? 

O Dr. Raul Siqueira acredita que potencializar a prevenção melhora a qualidade da  reação. Durante a pandemia, a controladoria teve sua matriz de riscos flexibilizada, dado  que esses riscos foram maximizados, e toda a equipe, bem como os modos de atuação,  precisaram se reinventar. Esse processo de reinvenção se pautou na transparência e na  prevenção: passaram a trabalhar então com gestores públicos em um modelo de  governança colaborativa. 

Os órgãos de controle externo, ao identificarem uma irregularidade, são incapazes de  acusar quando essa de fato ocorreu, logo, ao polo passivo das demandas são  encaminhados os nomes de todos os vários gestores que passaram por aquele  procedimento. Já com a Blockchain, o gestor que agiu de má-fé seria facilmente  identificado e imediatamente apontado pela rede, dado seu caráter imutável. A prevenção  e a existência de mecanismos de controle mais eficazes, inclusive, seriam uma forma de  desestimular a prática de irregularidades. 

No campo licitatório, a Ma. Renata Kobus acrescenta que, na fase de habilitação, a  entrega da documentação devida era facilmente passível de questionamento, contudo,  com o time Stamp (carimbo de tempo) da Blockchain, tudo fica registrado, cada alteração,  evitando que se aja de má fé a fim de afastar candidatos promissores do certame. 

Já considerando juntas comerciais, como as do Ceará, a eficiência aumentou com a  adoção da Blockchain, o qual depende de uma estrutura/rede de dados distribuída,  conforme explica o Prof. Dr. Jean Sales. Todavia, antes de ser implementada, a aplicação  dessa tecnologia deve passar por uma análise de viabilidade, de governança (para que se  auto governe) e de creditação. Dependendo do caso, serão necessárias uma legislação e  uma regulamentação, pois registro público na Blockchain precisaria de uma lei que  assegure que certa informação é oficial e foi gravada por um órgão público. 

Segundo a Dra. Genevieve Paganella, a resolução de conflitos do poder judiciário,  especialmente de lides empresariais, poderia contar com o auxílio da Blockchain para  integrar diversos departamentos do Estado, otimizando a vida do cidadão ao descartar a  necessidade de gastos com deslocamento e transações para compilar as credenciais  necessárias para o acesso à justiça. A magistrada compartilhou uma metáfora que  compara a Blockchain a um sistema de esgotos: não são vistos, mas evitam ser necessário  que os indivíduos precisem, com seus baldes, se deslocarem até uma fonte e empenharem grande esforço para conseguirem água, alo tão simples, porém essencial.

Ela infere que as demandas judiciais sinalizam que algo não deu certo no meio social,  então, prevenir certas situações reduziria o alto volume de ações protocoladas nos  tribunais. Se, por exemplo, todos os veículos tivessem uma cadeia dominial registrada na  Blockchain, muitas ações de vícios redibitórios deixariam de existir. Assim, os  magistrados poderiam se ocupar de causas com maior complexidade e cuja intervenção  judicial seja mais urgente. 

As reflexões finais dos palestrantes foram voltadas ao futuro, compartilhando informações que anunciam um amanhã promissor, tais como, segundo o fórum mundial,  até 2027, 10% do PIB mundial estará na Blockchain. Além disso, é mito que Blockchain  é apenas para países ricos, a Celepar é pioneira no uso dessa tecnologia, haverá um lugar  para o Brasil nessa perspectiva de um futuro mais tecnológico, no qual, inclusive,  empresas poderão – e já o fazem em outros países – utilizar a Blockchain como meio  alternativo resolução de conflitos com relação ao Judiciário. Um exemplo dessas são  empresas de aviação, as quais já verificam voos atrasados e trabalham com os  ressarcimentos das despesas pelo atraso. 

Os palestrantes não sabem o que esperar para o curto prazo, mas estão otimistas e  sabem que as tecnologias seguirão evoluindo. Essa evolução trará novas perguntas além  das levantadas na roda de conversa, não obstante, junto aos questionamentos, com o  passar do tempo, virão as respostas. 

REFERÊNCIAS  

GREVE, Fabíola Greve et al. Blockchain e a Revolução do Consenso sob Demanda.  Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (SBRC) – Minicursos, [S.l.], may 2018. Disponível em:  

<http://143.54.25.88/index.php/sbrcminicursos/article/view/1770>. Acesso em: 14 nov.  2022 

ESTEVAM, Gabriel; VIGIL, Martín. Proposta de Carimbo do Tempo  Descentralizado e Preciso para a ICP-Brasil utilizando Sistemas Embarcados e  Criptografia Pós-Quântica. In: WORKSHOP DE TRABALHOS DE INICIAÇÃO  CIENTÍFICA E DE GRADUAÇÃO – SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA  DA INFORMAÇÃO E DE SISTEMAS COMPUTACIONAIS (SBSEG), 20., 2020,  Evento Online. Anais […]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2020. p.  141-154. DOI: https://doi.org/10.5753/sbseg_estendido.2020.19281

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdon n. 1613/2020, de 24 de junho de 2020.  TCU avalia tecnologias da informação blockchain e livros-razão distribuídos para o  setor público. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 03 de julho de 2020. Disponível  em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-avalia-tecnologias-da-informacao blockchain-e-livros-razao-distribuidos-para-o-setor-publico.htm

e-Estonia. Disponível em: https://e-estonia.com/solutions/e-identity/id-card/. Acesso  em: 09 de novembro de 2022.

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