Poder Judiciário e Propriedade Intelectual

A mesa “Poder judiciário e propriedade intelectual”, do XVI Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, promovido pelo Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da Universidade Federal do Paraná (GEDAI), teve como palestrantes os professores Dr. André Fontes, Dra. Patrícia Serra e o Dr. Eduardo Pimenta, que debateram aspectos práticos da atuação do Poder Judiciário nos litígios envolvendo o universo da Propriedade Intelectual.

A professora Patrícia Serra iniciou sua exposição destacando que, no âmbito da Justiça Estadual, a importância da Propriedade Intelectual e seus diversos desdobramentos é muito reconhecida, uma vez que tratam-se de temas muito sensíveis ao desenvolvimento e ao progresso socioeconômico, cultural e tecnológico. 

Nesse cenário, aduziu que um dos pontos mais sensíveis diz respeito à fixação da competência para a solução desses litígios. Em sua análise geral, a pesquisadora observou que a Justiça Estadual lida com muitos casos que envolvem a concorrência desleal, que, por sua vez, podem, em muitas situações, exigirem uma prova de má-fé, vista hoje como um vício de comportamento dentro da prática empresarial, dotada de uma natureza abusiva, que pode configurar, sobretudo dentro no Direito Civil, uma responsabilidade civil objetiva – trataria-se, portanto, de uma aplicação da tese de abuso de direito, nos moldes no art. 187 do Código Civil

Ainda, a professora destacou que, a partir de uma pesquisa jurisprudencial, tal responsabilização poderia levar a uma fixação a título de danos morais que, via de regra, oscilaria entre 10 mil e 50 mil reais. A explicação disso é que há a compreensão de que os lucros cessantes, bem como o abalo contra aquela pessoa jurídica, já estariam englobados no importe destinado a indenização por danos materiais, de modo que haveria uma compreensão de que o dano moral seria irrisório.

Para a pesquisadora, uma outra questão a ser colocada é a demora na solução de lides que, em tese, seriam de fácil complexidade, dentro da Justiça Estadual, justamente por esta ter uma competência residual. Sabe-se que muitas ações que envolvem a Propriedade Intelectual contam com incidentes processuais que trazem a arguição de que o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) deveria intervir nos casos, o que poderia indicar um desejo pelo declínio de competência para a Justiça Federal.

Aqui, observa-se que existe uma concepção de que a Justiça Estadual deveria averiguar o conjunto-imagem dos casos, de modo que, se a defesa dos direitos pleiteados nas ações estivesse restrita a interesses particulares, seria a Justiça Estadual a mais apta para apreciar tais demandas. 

A título de fundamentação, a professora menciona o Recurso Repetitivo 1.527.232, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que firmou a tese de que as questões envolvendo o trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI, e uma vez sendo de ação judicial entre particulares, seriam inequivocamente de competência da Justiça Estadual, visto que não afetariam o interesse institucional da autarquia federal. 

A grande questão é que esta tese também discorre que, no que diz respeito a ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, a competência seria destinada a Justiça Federal, que seria responsável por impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no que se refere à tutela provisória – o que poderia fazer com que a Justiça Federal pudesse ser chamada para resolver conflitos que, inicialmente, teriam sido levados ao conhecimento da Justiça Estadual.

Saindo desta Justiça Estadual, o professor André Fontes ficou responsável por discutir a atuação da Justiça Federal, que conta com uma competência muito mais restrita. Ele destaca que a Justiça Federal é muito conhecida por discutir casos relacionados à Propriedade Industrial, visto que a autarquia que registra as marcas e as patentes e a validade destes registros pode acabar por atrair sua competência. Ele frisa, no entanto, que, mesmo em matéria de Propriedade Industrial, a mera violação desta será de competência da Justiça Estadual – e não da Federal. 

Ainda, ele coloca que os Direitos Autorais também são discutidos na Justiça Federal dentro daquelas situações em que a competência é atraída em razão da pessoa envolvida no litígio – como exemplo, poderia-se pensar naqueles casos em que a União figura em um dos polos da demanda. Da mesma forma, seria possível pensar também em casos que envolvem a aplicação de tratados internacionais, que seriam de competência da Justiça Federal, como nas situações que envolvem a violação de Direito Autoral em uma circunstância transnacional. 

Além disso, o professor chama atenção para o fato da Justiça Federal ter especializado varas e turmas para a matéria de propriedade industrial, que mais tarde vieram abranger também a propriedade intelectual como um todo. Dessa forma, embora os casos de marcas e patentes sejam mais corriqueiros, isso não impede a ocorrência de casos eventuais de propriedade intelectual nas mesmas esferas.

Por fim, o professor Eduardo Pimenta se dedicou a discorrer sobre o impedimento da cessão de direitos autorais sobre a obra criada em prestação de serviços. Inicialmente, enfatizou que se trata de um tema bastante abrangente, por conta do art. 7 da Lei nº. 9.610, que elenca todos os tipos de criação intelectual e a caracterização da obra intelectual.

Colocou-se que muitas dúvidas surgiram com o advento da Lei de nº. 9.610, que surgiu em 1998, sobretudo com relação à Lei nº. 6.533, responsável por regular a profissão de artista e de técnico em espetáculos e diversões, que é de 1978. É notório que a Lei nº. 9.610, posterior, indicaria uma revogação tácita, porém, seu art. 115 veio dispor que a Lei de nº.9.533 seria mantida.

A relevância da Lei nº. 6.533 para o Direito do Autor estaria na disposição contida em seu art. 13, que dispõe que “não será permitida a cessão ou promessa de cessão de direitos autorais e conexos decorrentes da prestação de serviços profissionais.” Ao se analisar o art. 1 da Lei nº. 9610, teria-se que o artista não teria direitos do autor e sim direitos conexos. A conclusão indicada pelo professor é que, quando houver um contrato de prestação de serviços cumulado com cessão, este contrato seria nulo pelo disposto no art. 13, nulidade que se daria por força do próprio art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil.

O pesquisador indica, assim, que o Direito Autoral pode ser objeto de concessão, mas não de cessão cumulada com prestação de serviços. Sabe-se, todavia, que as grandes produtoras de conteúdo almejam revogar esta disposição, pois isso traria um benefício empresarial de maior lucro – ao passo que evidentemente teria o condão de prejudicar os criadores intelectuais. 

Nota-se, com isso, que a exposição teve como intuito discutir algumas particularidades práticas da Propriedade Intelectual aplicada no dia a dia dos profissionais do direito que atuam de alguma forma na área. Evidencia-se, assim, a necessidade do Poder Judiciário estar apto a compreender os casos submetidos à sua jurisdição, sobretudo pelo fato de grande parte dos direitos relacionados à Propriedade Intelectual dependerem diretamente de sua intervenção constantemente. Para tanto, é essencial que magistrados e os próprios procuradores das partes envolvidas nos litígios estejam dispostos a se aprofundarem nas temáticas que envolvem esse universo, seja na seara dos Direitos de Autor, seja na seara da Propriedade Industrial. 

Trackbacks/Pingbacks

  1. Boletim Gedai Dezembro 2022 - GEDAI - […] terceira resenha de Eduarda Silva Arcaro e Milena Cramar Lôndero analisam a questão do “Poder judiciário e propriedade intelectual”,…

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *